Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956

Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956

Paula Husni. EOL- AMP. “Barco quieto”. Fotografia.

Paula Husni. EOL- AMP. “Barco quieto”. Fotografia.

“[…] queremos dizer com isso que a explicação deve ser buscada na situação da psicanálise mais do que na situação dos psicanalistas. Pois se podemos definir, de forma irônica, a psicanálise como o tratamento que se espera de um psicanalista, é, no entanto, certamente o primeiro quem decide da qualidade do segundo.”

Ainda que o texto seja datado do ano de 1956, sua vigência é indiscutível.

Trata-se da situação do psicanalista e da formação do analista para responder à pergunta inicial do texto: como se pode ser psicanalista.

A ironia aponta à conformação das sociedades analíticas. Para o conforto de dormir acordado sustentado por normativas e legalidades as quais ofereceriam a performance de um modelo de analista, segundo um Ideal. Graus que garantiriam um lugar em relação ao saber.

Daí suas referências exaustivas à função das Suficiências, dos Sapatinhos Apertados, dos Bem-Necessários e das Beatitudes. Estrutura assegurada que dê conta do estofamento com que é tecido o grupo analítico sustentado no Nome-do-Pai. Modo de assegurá-lo no lugar da contingência.

Tudo previsível e quantificável, ajustável a um modelo.

Lacan localiza que o Nome do Pai e o Supereu devem ser lidos como termos aparentados, pois atacam a condição sujeito.

Podemos supor que nesse texto dos Escritos encontramos o gérmen do Seminário Inexistente, as razões da futura excomunhão da IPA, e a resolução dessa saída no Seminário XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

Dará conta, com esse último, de uma distinta orientação, a qual enquadra a experiência analítica, a operação analítica e o desejo do analista.

Situação da psicanálise e formação do psicanalista é um texto dirigido a diferentes interlocutores, como bem assinala Lacan na epígrafe deste Escrito: Para alguns… e “a outros”.

Leio ali: a seus seguidores… e a seus futuros detratores. O pé de página deste Escrito se refere “aos outros”, algo assim como: … a outro cachorro com esse osso.

É um Lacan que não cederá ao convite de se deixar seduzir por um Ideal alienado às identificações.

Muito pelo contrário, Lacan responderá à consistência da Sociedade analítica com a noção de Escola, enquanto inconsistente.

Como se pode ser psicanalista

Miller uma vez mais nos orienta na resposta desde a perspectiva lacaniana.

Devemos ler para isso A teoria de Turín.

Ali encontramos a ênfase do pensamento de Lacan no que faz a base da psicanálise e dos psicanalistas. Uma política que se rege pelos fundamentos que orientam a direção do tratamento em tanto que se concebe a Escola como sujeito.

Destacamos uma diferença crucial: sujeito não é indivíduo. Remete ao inconsciente e, enquanto tal, demanda interpretação, quando na vida da Escola o sintoma se coloca como uma cruz em seu caminho.

É também uma ênfase na leitura freudiana da Psicologia das Massas e Análise do Eu.

Não é que se considere que a Escola funcione alheia a um Ideal, seria ideal pensar que não há, que é eliminável. Mas esclarece que é um Ideal sob tratamento e que aponta permanentemente aos seus desvios orientados no seu lugar de causa.

Se algo pode se tornar imperativo na demanda do sujeito Escola é que as tendências sejam interpretadas ao grupo e que aqueles que a compõem se desagreguem do aglutinamento para dar lugar às enunciações da diversidade, da solidão que faz laço e da transferência de trabalho com respeito ao Ideal localizado como causa de desejo.

Que uma Escola demande análise de seus membros como um aspecto essencial na sua formação, é a fim de que se pronunciem desde uma posição de risco. E não é outra senão a de assumir a responsabilidade da enunciação. Do não-todo.

Como se devém psicanalista

Em Meu Ensino, Lacan retoma a questão: “O fim de meu ensino seria fazer psicanalistas à altura dessa função que se chama sujeito porque se verifica que somente a partir desse ponto de vista se compreende de que se trata a psicanálise.”

Essa é a finalidade que estabelece esta banda de Moebius, borda entre psicanálise e psicanalista.

Lacan aqui propõe a relação de contemporaneidade entre a aparição da psicanálise como extensão das funções da ciência para ressaltar que encontramos o sujeito na dimensão do inconsciente.

A atualidade de 1956

Permito-me depreender do texto de Lacan por mim escolhido para esse comentário a noção de autoridade analítica. Noção que não é dada, mas se constrói e está intimamente enlaçada ao conceito Escola.

A autoridade analítica não é agrupável, ela dá conta do singular. Sustenta-se no um por um e somente se verifica por meio da enunciação. Ali onde se há de verificar de onde fala cada sujeito.

E é a resposta ao modelo identificatório que supõe o ser do analista.

Esta não se apresenta para todos da mesma maneira, não se encarna do mesmo modo e está enlaçada à transmissão de uma experiência. Seja a de uma análise (no passe), de uma prática (na garantia), de uma formação (na admissão).

Este marco da Escola alcança sua máxima expressão no dispositivo do Passe e na Escola Una. Ambos operando a fim de assegurar e manter aberto o buraco de saber, o não todo que distingue a Escola. Esse recurso que a torna feminina.

A função de extimidade é crucial para sustentar a inconsistência e verificar cada vez que não há uma última palavra.

Supõe um Ideal vazio de sentido.

Tradução: Gustavo Ramos

Bibliografia
LACAN, Jacques. “Situación del psicoanálisis y formación del psicoanalista en 1956”, Siglo Veinti uno Editores, México,1977, p.183.
LACAN, Jacques. El Seminario, Libro 11, “Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis”, Paidós, Bs.AS, 1986.
LACAN, Jacques. “Mi enseñanza”, Paidós, Bs.As., 2006, p.61.
MILLER, Jacques-Alain. “Teoría de Turín sobre el sujeto de la Escuela”, en Qué política para el psicoanálisis, Colección Orientación Lacaniana, EOL, 2003.
FREUD, Sigmund. “Psicología de las masas y análisis del yo”(1921), Obras completas, Vol. XVIII, Amorrortu, Bs.As., 1979.

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