Paúl Mata Alcántara. Associado NEL-Caracas
Freud, no texto “Análise terminável e interminável”[1], de 1937, se coloca a pergunta acerca de quais seriam os obstáculos que se encontram no caminho da cura, conseguindo discernir que na experiência analítica existe uma inércia psíquica à qual ele denomina “resistência do isso”, se referindo a certos processos mentais, a relações e distribuições de força que são imodificáveis, fixos e rígidos, uma espécie de entropia psíquica. Este descobrimento o leva a sentenciar que a psicanálise, tal qual o governar e o educar, é uma profissão impossível, já que se pode saber de antemão que os resultados não serão completamente satisfatórios.
Freud chega a elucidar, também, que tanto no homem como na mulher há a presença de obstáculos ao tratamento analítico, afirmando que do lado da mulher se evidencia uma inveja do pênis e que do lado do homem se apresenta uma luta contra sua atitude passiva ou feminina frente a outro varão. O que estes obstáculos teriam em comum seria a atitude em direção ao complexo de castração. Freud considera que “repúdio ao feminino” é uma maneira adequada de designar a este fato, que na realidade não é mais que angústia de castração. O repúdio da feminilidade, então, não seria senão um fato biológico que coloca um limite não franqueável no tratamento analítico.
A desautorização ao feminino, esse rechaço fundamental do qual Freud fala que se constitui como um repúdio à posição feminina, é causa de horror, se se quer, do horror à castração. Em 1922, Freud escreve um breve texto que intitula “A cabeça da Medusa”[2], no qual especifica que o terror à Medusa pode ser tomado com um terror à castração relacionado com a visão que o varão faz dos genitais femininos, o que conduz à angústia de castração que se enlaça à perda do falo.
Vejamos agora um fragmento do aludido texto, que esclarece e adianta algo fundamental. Freud diz que “os cabelos na cabeça de Medusa são frequentemente representados nas obras de arte sob a forma de serpentes e estas, mais uma vez, derivam-se do complexo de castração. Constitui fato digno de nota que, por assustadoras que possam ser em si mesmas, na realidade, porém, servem como mitigação do horror, por substituírem o pênis, cuja ausência é a causa do horror” (p. 289).
Neste sentido, é o horror à castração, o horror à falta, o que inaugura esse rechaço em direção ao feminino. Este horror ao feminino se articula com um horror ao saber, um horror à verdade inconsciente, a um não querer saber. Como diz Miller no “Banquete dos analistas”[3], a causa do horror ao saber se escreve como objeto a, esse objeto que “está sustentado e encerra a castração, que é verdadeiramente o fator de dito horror”.
O que Freud estabelece em relação aos finais de análise se assenta em um fato biológico, fato do qual, é preciso dizer, não encontra solução, vendo-se atado à lógica fálica, à lógica do complexo de Édipo, pelo qual, realmente, essa rocha viva, a castração, resulta inevitável. É o ponto auge de uma análise. Contudo, como disse Paloma Larena[4], tomando a referência de Jacques Alain Miller do seminário sobre o Ser e o Um, é com Lacan que podemos avançar e franquear esta dificuldade lógica e dizer que esse fato biológico do qual Freud fala, se denomina o real.
O rechaço ao feminino, com Lacan, estará circunscrito ao gozo, afirmando que o rechaço ao feminino é o repúdio a um gozo que não provenha do falo. É uma desautorização do real sem lei. Poderia se dizer também como o horror a Outro gozo, ao gozo feminino como tal.
Em relação ao gozo feminino, Lacan, no seminário XX, na aula “Deus e o Gozo d’A/Mulher”[5] recorda a fórmula Há Um, que constitui o primeiro passo na averiguação acerca do feminino. Aqui o acento se encontra colocado nesse Um sozinho. Esse Um se imanta com um gozo silencioso do corpo. Lacan afirma que “não há mulher senão excluída pela natureza das coisas que é a natureza das palavras” (p.99). E é justo porque é excluída desta dimensão, que a mulher é não-toda, produzindo-se assim um gozo adicional, “um gozo suplementar, em relação ao que designa de gozo a função fálica”.
Por esta razão, Lacan estima que, deste Outro gozo, o suplementar, as mulheres e os místicos não podem dar conta mais além de dizer que o sentem. À diferença do gozo fálico, que é um gozo que passa pela maquinaria da interdição do Nome do Pai, o gozo feminino é um gozo do corpo que está mais além do falo. Este é um gozo iterativo, adicto, é o corpo que se goza a si mesmo.
Esse gozo opaco ao sentido é precisamente o que Lacan designou como sinthome, ou seja, o sintoma desabonado do inconsciente. Trata-se do sintoma em seu puro valor de uso, um uso que vai mais além do significante, as palavras e os semblantes da verdade. É um uso desprendido do gozo fantasmático, desarticulado do gozo que se extrai do romance neurótico. Como expressa Xavier Esqué em “A função do sinthome”[6]: “uma vez desenodado na análise o sentido gozado… o sintoma fica reduzido à sua forma de gozar. Trata-se agora de um sintoma desabonado do aparelho semântico que é o inconsciente, e esta é a maneira mais singular de fazer com o real que cada parlêtre tem”.