O número um de uma publicação aborda uma necessidade. O número dois, sobre a necessidade da sua persistência. Não se trata apenas de uma continuidade previsível; dois é muito mais do que o dobro de um, e mais do que a série lógica dos números. O diálogo do um que se dirige a outros encontra-se na série com o dois e promete mais seqüência, freqüência do contato, acúmulo e intensificação. Por isso, à celebração do primeiro exemplar se soma à do segundo que, mais do que somar, potencia.
O próximo VIII ENAPOL nos convida a trabalhar com o tema: “Assuntos de família – seus enredos na prática”. A novela familiar está presente, de fato, desde o início da prática da psicanálise e também no discurso do sujeito contemporâneo; porém, o “assunto” se modificou substancialmente. É que a atualidade das transformações da família propõe novas questões que só podem ser abordadas além da estrutura clássica do Édipo e das suas formas patriarcais.
Família é um nome muito generoso, pois denota conglomerados muito heterogêneos que tem resistido com o passar do tempo; desde o tradicional agrupamento de origem latina definido pelo parentesco em torno de relações de filiação e de casal entre os seres humanos, até as formações taxonômicas que determinam sistemas de relações entre elementos. De nossa parte, nos dedicamos desde a prática da psicanálise aos problemas – e soluções – que apresentam e oferecem à subjetividade…
Um breve olhar sobre o caminho percorrido desde que foi constituídoo Observatório #3 da FAPOL sobre a Infância Medicalizada em abril de 2014, doqual a NEL faz parte.
Sendo a NEL uma Escola com estrutura federativa e um funcionamento múltiplo derivado das características de cada uma de suas dez Sedes, seis Delegações, dois Grupos Associados e uma nova Sede em plena formação, localizadas geograficamente em dez países do continente Americano, se decide em um primeiro momento, considerando as líneas de funcionamento traçadas pela FAPOL, formar uma equipe de trabalho de três membros da NEL, concernidos no tema em questão
O Bureau da FAPOL criou recentemente a RPA, Rede de Psicanálise Aplicada. Para desenvolver esse projeto, o Bureau convidou um membro de cada Escola da FAPOL para traçar as premissas básicas de suas ações. Assim, Ricardo Seldes (EOL), Aliana Santana (NEL) e eu mesmo, Marcelo Veras (EBP), nos pusemos ao trabalho de desenhar um primeiro esboço de ação. E quais são essas premissas?
Dizer que a orientação lacaniana é apaixonante não constitui juízo de valor, mas a constatação de um fato, pois a estrutura do laço que ela estabelece entre os analistas e a direção que imprime nas análises formam um nó com a ética do respeito pelo singular; e o singular é o nome genérico da paixão em que consiste, para cada um, o núcleo do seu ser. Por outro lado, esse caráter apaixonante pode se contagiar por canais tal como a análise do analista, a supervisão de sua experiência, o passe acolhido e testemunhado na Escola, e o cartel, além dos ensinamentos que possam ter lugar nos institutos analíticos e no âmbito universitário. O paradoxo desse contágio
Nosso próximo ENAPOL é uma excelente oportunidade para trabalhar sobre o modo em que os sujeitos se enredam e desenredam-se nos assuntos de família no século XXI, entre a causalidade significante e o encontro com o real. Quer dizer, pela identificação imaginária e sua falta, essa irrupção de gozo que erige o destino do sujeito. Ou seja, de que maneira o caldeirão pulsional arma a sua montagem a partir de uma estrutura de linguagem, com o paradoxo que isso significa.
Desde os primórdios da psicanálise, os assuntos de família tomaram conta da cena analítica a ponto de Freud fazer do mito de Édipo um complexo universal instaurado no cerne do desejo humano, berço do trauma e dos laços libidinais onde se jogam as forças antagônicas inconscientes dos sintomas e inibições, fixando os modos de satisfação da pulsão e a trama de um destino. Nesse terreno, onde a castração também joga sua partida, edificam-se as identificações sexuais…
Em nosso tempo o privado tornou-se público. As fotos, o vídeos, os áudios que circulam pela televisão ou pelas redes sociais, a atividade que fica registrada em nossos dispositivos tecnológicos ou a falta de pudor com que se abordam os outrora temas íntimos, nos podem fazer crer que já não há mais lugar para os “segredos”.Todavia, dada à relação que cada sujeito tem com seu gozo, verificamos que há temas encobertos pela vergonha e pelo sentimento de culpa que produzem
Este cabeçalho não é um equívoco. Está bem claro para mim que o próximo ENAPOL, que nos espera em Buenos Aires, no próximo ano, nos convoca sob o título: “ASSUNTOS DE FAMÍLIA: seus enredos na prática”. No entanto, é possível relacionar e intercambiar seus termos seguindo suas etimologias. Assunto: argumento / matéria da qual se trata / relação amorosa mais ou menos secreta…
O uso rotineiro das noções as amortece, Lacan nos advertiu em seus Escritos. E, antes que a morte atingisse um pensamento, o de Freud, onde “cada noção, nele, tem vida própria”, decidiu ensinar a psicanálise. Vida que ele quis para o destino de seu ensino: dissolvida sua Escola, convocou seus alunos para, numa nova Escola, serem “o núcleo a partir do qual é possível que o meu ensino subsista”. Sua decisão de ensinar teve como cenário a crise da institucionalização da formação do analista, em 1953, na Sociedade psicanalítica de Paris. Se à IPA interessava propor mudanças de finalidade e de técnica, a Lacan, era urgente denunciar nos analistas
“Por isso mesmo, as outras duas paixões são as que se chamam amor – que nada tem a ver, com o elucubrado pela filosofia, com o saber – e o ódio, que é justo o que mais se aproxima do ser que chamo ex-sistir. Nada concentra mais ódio que esse dizer onde se situa a ex-sistência” . Esta citação que extraio do Seminário Mais, ainda, nos coloca na via de indagar, a lógica da paixão no ódio. Lacan propõe as paixões como a via para nos aproximar dessa zona da experiência subjetiva, que é também a experiência analítica, que chamamos real “o que mais se aproxima do…
Talvez como uma consequência inerente ao fato de que “ensinar Lacan” necessariamente implica “introduzir descontinuidades, distinguir momentos, períodos, paradigmas”(1), fazendo esquecer que esses momentos em realidade se mantém juntos, porque o seminário de Lacan “prosseguiu durante trinta anos sem rupturas, transformando-se em uma espécie de deformação topológica contínua”(2). Uma leitura não advertida pode, às vezes, induzir a ideia de que o “primeiro Lacan” havia concebido a interpretação analítica como fornecedora de sentido.