Marcela Ana Negro – EOL – AMP
Uma massa pode erigir alguém como líder, colocando-o no lugar de seu ideal, de seu supereu ou como um “Nome”. O que determina sua eleição? Ela está orientada pelo líder, pela massa, pela época? O condutor ocupa o mesmo lugar psíquico para todos e cada um dos que formam o grupo? A escolha que se leva a cabo propiciará, de alguma maneira, o tipo de relação que se estabelece entre os membros?
Essas são algumas das perguntas que me formulo. Interessa-me, particularmente, pensar a massa que se constitui em torno do líder que opera como Um-Nome.
Em que consiste essa modalidade de identificação? Que operação se produz para que se desencadeie?
Para introduzir o tema, considero a observação feita por Éric Laurent, a respeito da condição propícia de um líder político à altura da época: “A política implica inventar limites que girem ao redor da busca de algo que permitiria fazer cessar esse empuxo que aparece de maneira tão destrutiva, tão superegoica”.
Se o modo de exercer a função não determina a condição com que cada um dos membros da massa se enlaça ao líder, ainda assim, ele modula a forma e influencia no laço que se estabelece entre os membros. Diria mesmo que essa forma de liderança que queremos tratar aqui, o líder-Nome, só se torna tal, em certas condições muito particulares: depois de ter ganhado a confiança dos que recentemente se tornaram membros da massa; antes houve somente algo da ordem de uma aposta (e talvez, em alguns casos, nem mesmo isso).
O que se põe em jogo e determina a identificação é “a confiança inédita em um nome” que poderia conduzir, em certa medida, a um “novo amor”, no sentido em que assinala Laurent: um amor que é proteção frente ao gozo. Confiança em um nome, no lugar de amor ao líder-Ideal, o temor ao líder-supereu.
A confiança surge como consequência da constatação da sustentação de uma posição ética por parte daquele que encarna o nome, quer dizer, a posteriori. Diz Laurent:
Vemos esforços para buscar limites que não vêm mais nem da tradição, nem dos sistemas de moral existentes (…) Esta solidão de cada um é também um efeito da queda do patriarcado. Não há mais grandes identificações comuns. (…) um líder (…) que funciona da boa maneira e permite fazer suportar esses movimentos de gozo e de ódio e canalizá-los de uma maneira que não seja destrutiva (…) Agora não há mais uma autoridade baseada em discursos estabelecidos, mas antes surge de todas essas tentativas distintas que são modos novos de inventar limites, responsabilidades, encarnações e um leque de soluções muito diversas que são testadas em diferentes países”.
Poder sustentar isso que nos propõe Laurent, requer uma posição que é, por um lado, de responsabilidade frente ao próprio gozo e, por outro, de poder suportar a solidão do ato conforme o desejo por parte daquele que se ocupa em canalizar os movimentos de gozo e ódio de uma maneira que os torne menos destrutivos. Isso faz com que o líder-Nome só possa ser um a um. Por condição lógica, a singularidade (o estilo) está tão em jogo, tão exposta nesse tipo de líder, que só encarna a função não-toda por completo (diferentemente das outras formas de liderança), algo permanece contingentemente na função lógica do impossível.
O que é se identificar a um nome? Identificar-se a um nome é se identificar ao homem ou ao seu lugar, ou é se identificar ao que esse nome porta?
Nomear é circunscrever, delimitar um vazio sem preenchê-lo. Laurent nos orienta:
Quando Lacan descreve a posição da civilização moderna diz que esta solidão é um efeito que aproxima cada sujeito da posição feminina, que é uma posição de solidão em relação a como se autorizou cada mulher em sua particularidade. Encontramo-nos na solidão da invenção compartilhada”.
Esse tipo de liderança, pela posição estrutural em que se encontra, que não é a do significante mestre, é muito mais dependente da massa que as outras duas formas. Condiciona um tipo de relação que é de implicação lógica. Um líder assim posicionado convoca implicitamente à massa, não a uma atitude de subordinação passiva (tal como descreve Freud a respeito das estudadas por ele: submissão a uma figura forte, a perda da vontade própria, o predomínio do afetivo sobre o intelectual e a capacidade de moderar-se e de diferir a ação), mas que exige por parte dela, uma assunção ativa de responsabilidade na montagem de uma invenção que é compartilhada, contingente, não-toda e sustentada, que, a cada vez, requer inventar um limite diferente:
Nesses movimentos, a dificuldade é como criar uma estrutura de responsabilidade que possa fazer entrar esses movimentos, não na instantaneidade do conjunto, mas em uma história que pode incluir a consideração de decisões justas, errôneas, propostas fecundas, outras nefastas e isto forma parte das apostas da política de transformação”.
Incluir-se de forma ativa é implicar-se subjetivamente e isso nunca é sem incômodo, sem erros e sem consequências. Supõe a solidão de não contar com um para-todos, um universal do qual se sustentar. Não perfila uma massa que se deixa levar, mas uma que acompanha.
Esta invenção compartilhada, da qual fala Laurent, só pode se sustentar numa posição de responsabilidade de ambas as partes.
Como reconhecer e distinguir as diferentes formas de liderança?
O tipo de liderança que um condutor exerce pode ser lido e discernido a partir do uso e da articulação que este faça de três variáveis: a modalidade do Um que assume, a distribuição do mais de gozo que realiza e o tratamento do hetero que promove; trata-se de uma articulação entre o Um, o objeto a e o não-todo. Uma análise da massa com esses elementos mostrará como cada líder chega a se aproximar, mais ou menos, de uma ou outra posição, em um ou mais aspectos. Segundo o manejo que o condutor faça deles, teremos, ou não, o resultado que Laurent adjudica a um saber fazer em política.