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Editorial – Silvina Rojas – EOL-AMP


lacan21 - 1 de maio de 2019 - 0 comments

Lisa Erbin. ´Sem título´. Óleo e Colagem. Técnica mista. EOL- AMP

Lisa Erbin. ´Sem título´. Óleo e Colagem. Técnica mista. EOL- AMP

Queridos leitores,

LACAN XXI n°7 está entre nós.

Uma vez mais, em sua particularidade, propõe um mergulho na temporalidade do século sob a luz da orientação de Jacques Lacan. As consequências do seu ensino se escrevem aqui como  bússola de leitura de uma civilização que cada vez mais  revela distintas formas de fazer presentes o ódio, a cólera  e a indignação nos acontecimentos do nosso século.

Os textos põem em ato esse ensino que espero possam apreender tomando ocasião por onde convier, fazendo ressonar algumas notas deles para provocar, citando Borges, “que sua virtude toque direta e espantosamente  o leitor”1. Essa virtude que Lacan propôs  como equivalente ao não ensinável, ao que não se deixa absorver por uma episteme, mas que se lê através de uma operação, “responder como convém a um acontecimento enquanto significativo … é fazer a boa interpretação”2, aquela que faça ressoar outra coisa além do sentido, ali onde se pode medir, em suas consequências, além das intenções.

LACAN XXI, acompanhando estes movimentos, propôs variações ao seu conteúdo desde o número 5, convidando para publicar, como explicita Rômulo Ferreira da Silva na apresentação do espírito renovado da revista3, “textos que enriquecem as discussões em  torno dos eventos que nos reúnen cada ano e nos colocam frente a temas urgentes que tocam de perto a psicanálise.   

O IX ENAPOL Ódio, Cólera e Indignação” –  Desafios para a psicanálise, que se realizará en São Paulo, nos dias 13, 14 e 15 de setembro de 2019, nos dá, então, a boa ocasião. Três de seus diretores, cada um com seu estilo, abrem o  jogo pondo sobre a mesa, ressonâncias das propostas do Encontro. Poderíamos lê-las como modos de responder à pergunta que fez Eric Laurent:  por que falar das paixões hoje?4 Viviana Berger avança retomando uma questão proposta no  argumento do Encontro É o  ódio um modo de constituir ao Outro, ainda que não seja mais do que mediante sua exclusão?”. O ódio e as violências sancionadas como sintoma social funcionam como forma do sujeto “(dividido, é claro!) buscar alguma identificação diante da  condição de mero dejeto em que há feito a sua existência”, produto das novas lógicas de gozo que propõem a ciência, o mercado e a globalização. Essas novas lógicas de gozo são as que Andrea Zelaya identifica nos  efeitos de anulação e foraclusão do subjetivo, lógica que do lado da ciência em sua universalização, “empuxa a dispersão do que ela ignora, enquanto mantém nas sombras o  inerente a condição de imigrante do sujeito no Outro”.

Henri Kaufmanner destaca que a psicanálise, diferente de outros discursos, ao colocar em jogo a paixão, mantém a relação com o  objeto, “estamos interessados nas ressonâncias de gozo geradas a partir do significante, ou seja, das relações do sujeito e do objeto a”

A rubrica “Os desafios para a psicanálise” propõe um enodamento epistêmico, político e clínico para ler os efeitos que as paixões, como desafio se atualizam em nosso campo. Este enodamento tem um quarto elemento, a pergunta pela incidência da psicanálise no mal-estar contemporâneo que se mobiliza de modo renovado, pelo acontecimento “Campo freudiano. Ano zero” na comunidade analítica. Como fazer passar as ressonâncias do ato psicanalítico ao Outro social? Jésus Santiago enuncia que o analista, tocado por esta interpretação enfrenta o desafio de fazer-se presente, não apenas na clínica, mas também no campo político, não como partido político, mas como psicanalista que, como diz Freud no Mal-estar, pode ‘oferecer algo à humanidade’ ”.

Sendo a segregação, o ódio e as violências o que triunfa na cena do mundo5, estamos compelidos a intervir nela, posição ética de cada analista que se orienta, como propõe Mauricio Tarrab ao “Circunscrever o insuportável do próprio horror”, modo de fazer existir um laço inédito como tratamento do resto pulsional que insiste em toda formação humana. Um “haver-se” digno desse nome é o que Clara María Holguín transmite ao ler o desafio político que uma artista alcança enlaçando a singularidade, uma por uma das vítimas, e o coletivo, “escritura que enoda trauma (farc) e solução (fragmentos)”.

A política da psicanálise é o relevo do sintoma, Fernanda Otoni, propondo a transferência como a operação que subverte os destinos do gozo ilimitado, e o convite  a falar “do que não existe, dá passagem ao que existe e o força a se alojar numa forma que o acolha, o localize, o dirige e o sossegue.”.

Os trabalhos que temos reunidos sob a rubrica ¿O que está circulando sobre o tema?” apresentam elaborações precisas sobre as condições de laço do sujeito com o Outro, com o irredutível pulsional em sua base, localizando nas paixões um tratamento possível. Alejandro Olivos aborda isso em termos do Outro para si mesmo e sua articulação entre o ser e o saber. Marcela Mas situa a dimensão do odiaenamoramento em relação ao saber, colocando em  relevo o objeto mais de gozar que pode se revelar na ambivalência que supõe o conceito quando se retira o véu dando lugar a “fenômenos de violência que a época mostra com crueza” 

Micaela Parici verifica com uma vinheta o particular “modo em que cada sujeito tramita a violência que o habita e a violência que recebe do outro”. A proposta do analista introduz uma diferença, apontando a causa do sujeito mais aquém da posição de vítima que o discurso jurídico promove. Um bom caso que permite dizer com Gisèle Ringuelet  o quanto “estas paixões são índices de cartografias de uma época” e como tal se faz necessário distinguir a verdade em jogo em cada uma. Essa distinção encontra Mariana Gómez para falarmos do riso em suas derivações para estarmos atentos e advertidos quando “a segregação se disfarça de humor”. E de maneira ainda mais perigosa, Eliana B. Castro e Lenita Bentes, desvendam o lugar que a religião em sua versão fundamentalista exerce um terror sustentado no gozo de um bando.

Jessica Jara lê imagens de nossa época que facilitadas pelas redes, oferecemum saber gozar expostoe aposta que, pela via do amor ao saber, a indignação vire a resposta que possa se  transformar em causa, em pergunta . A indignação se torna então uma chave que Ana Cecilia González resgata como resposta quando a subjetividade é questionada, promovendo a partir daí, “uma torção ética que dê lugar à dignidade em uma chave singular, por fora da lógica segregativa”. 

Elena Levy Yeyati e  Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri introduzem as consequências que os “progressos”, tanto do lado da ciência, como do lado da tecnologia, produzem silenciando o que é da ordem da particularidade.

Neste número, solicitamos  a Guillermo Belaga, atual Presidente do Conselho Estatutário da EOL, uma articulação sobre a Relação Escola-Instituto. Um texto que permite colocar à trabalho as consequências de uma interpretação, Campo Freudiano-Ano Zero como um novo começo para a abordagem da complexidade da lógica coletiva.

A rubrica que encerra o número nos dá a gratificação da leitura renovada dos Escritos e Outros Escritos de Lacan por três analistas que, com  sua livre e preciosa eleição, ressonam com o tema da revista. Assim, um parágrafo da “Nota Italiana”, causa em Alejandro Reinoso o trabalho de elucidar uma articulação possível entre amor, saber e ignorância nos “trabalhos de Escola”. Antonio Beneti retoma o conceito avançado de Lacan, “kakon” reconhecendo sua função atual em termos, como hipótese, de generalização do “matar ao outro” encarnado nos distintos fenômenos que temos presenciado. Silvia Salman, em um salto aos anos 70 de um Lacan lógico, nos orienta a fazer existir o impossível na experiência da palavra “desfazer o nó do sujeito com o sentido”

Então, queridos leitores, resta desejar que se façam destinatários dessas letras, convidando-lhes a fazer sua parte!

Agradecemos a Eduardo Médici por autorizar uma de suas obras em nossa capa e por embelezar alguns de nossos textos.

Este pintor argentino é Licenciado em psicologia e suas pinturas formulam uma interessante perspectiva sobre a vida e a morte, como também sobre as misérias humanas.

Ao longo de seus desenvolvimentos, Eduardo Médici tem recebido numerosas distinções e suas obras figuram em coleções oficiais e privadas de Buenos Aires, Santa Fé, Maldonado, Rio de Janeiro, São Paulo e Skopje.([email protected])

Obrigado, Alejandra Koreck, Daniela Teggi, Lisa Erbin, Luis Dario Salamone, Gabriela Melluso, Susana Carbone, Azul Hada Costa, Alejandro Bilbao, Nicolas Bertora e Dolores Amden por suas valiosas colaborações e generosidade para embelezar nossa publicação com sua arte.

Tradução: Jussara Jovita Souza da Rosa.

Notas:
1-Borges, J. L. , https://borgestodoelanio.blogspot.com/search/label/Pr%C3%B3logos
2- Lacan, J., O Seminário livro 2:  O eu na  teoria de Freud e na técnica psicanalítica. (1954-1955). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1985. p.31
3 Ferreira da Silvia, Rômulo  http://www.lacan21.com/sitio/presentacion/
4-Laurent, E., Los objetos de la pasión Buenos Aires, Tres Haches  2004 p.8
5 Miller, J.A., Sutilezas analíticas 2008 Buenos Aires, Paidos 2014 p.35