Scroll to top

Histórico da comissão da garantia AMP-América


lacan21 - 4 de maio de 2018 - 0 comments

Amanda Dupont. “Deixe-o ser”. Acrílico. 100 x100 cm.

Elisa Alvarenga
EBP- AMP

Desde o Ato de Fundação de sua Escola, em 1964, Lacan estava concernido pela garantia do trabalho realizado na Escola. “Desde o início e na totalidade dos casos, uma supervisão qualificada será assegurada ao praticante em formação em nossa Escola” (1). Ela garantirá as supervisões que convierem a cada um, “já que não é de fora que se pode esperar uma exigência de controle que estaria na ordem do dia em todos os outros lugares” (2).

Na Proposição de 9 de outubro de 1967, “o AME ou analista membro da Escola é constituído pelo fato de a Escola o reconhecer como psicanalista que comprovou sua capacidade: é isso que constitui a garantia proveniente da Escola” (3). Mas, onde encontrar o AME? Como nos diz Graciela Brodsky, Lacan não nos dá muitas pistas para isso. Em 1975, lhe perguntaram quais seriam os critérios para nomear um AME, ao que Lacan respondeu: “É o que se chama o bom senso, ou seja, a coisa mais difundida do mundo: neste se pode ter confiança. Nada mais. Não há absolutamente nenhum outro critério” (4).

No seu discurso à Assembleia Geral da AMP, quando foi eleita Delegada Geral em 2002, Graciela Brodsky nos apresenta o impasse da Garantia que começou a perfilar-se na AMP: Jacques-Alain Miller havia apontado a inflação do título de AME e a dificuldade de implantar uma Comissão da Garantia, antecipando a incompatibilidade entre a comunidade de trabalho que exige a Garantia e a dispersão territorial de algumas de nossas Escolas. Em janeiro de 2000, Miller havia fundado a Escola Una, mas havia assinalado algumas dificuldades: o borramento da diferença entre membros e não membros, a perda de limites entre psicoterapia e psicanálise, o mutualismo. O Comitê de Ação da Escola Una havia elaborado dois documentos: um sobre a Supervisão e outro sobre a Garantia. Na época, apenas duas Escolas existentes possuíam sua Comissão da Garantia: A ECF e a EOL. Mas não faziam nomeações nem um ensino.

Era preciso inovar a Garantia, e o Delegado Geral, considerando o desejo de estreitar laços entre as Escolas vizinhas, propôs que se criassem, junto com a divisão da AMP em Escola Europeia de Psicanálise e AMP-América, uma Comissão da Garantia na Europa e outra na América. Estas propostas foram aprovadas estatutariamente, ainda em 2002, pelos Conselhos e Assembleias das Escolas. Assim, a primeira Comissão da Garantia AMP América passou a nomear alguns membros das Escolas da América como AME. Ela foi constituída por Graciela Brodsky e teve a participação de Bernardino Horne pela EBP.

Desde a Declaração da Escola Una em 2000, Miller menciona os AME, “praticantes que deram provas de formação suficiente e cuja nomeação deverá, em breve, encontrar um procedimento melhor definido” (5). A regionalização da Comissão da Garantia AMP-América, embora considere o fator local inerente à nomeação do AME, pode ao mesmo tempo introduzir a boa “deslocalização”, que neutralize os efeitos de “mutualismo” grupal (6). 

O período de 2006 a 2010, correspondente à gestão de Eric Laurent como Delegado Geral da AMP, teve um especial cuidado com as admissões, que também dizem respeito à garantia que oferece a Escola a seus membros. Foi também durante sua gestão que a Comissão da Garantia AMP-América reuniu-se, em maio de 2008, fazendo várias nomeações de AME na EOL, na EBP e na NEL. Esta Comissão entrou em função a partir do Congresso de Roma em 2006, deveria permutar em 2011 e teve como membros: Frida Nemirovsky (mais-um), Leonardo Gorostiza (Presidente AMP-América), Ricardo Nepomiachi (EOL), Romildo do Rêgo Barros (EBP) e Gerardo Réquiz (NEL) (7).     

Leonardo Gorostiza, ao assumir a Presidência da AMP em abril de 2010, propôs a criação do Secretariado da Garantia no interior do Conselho da AMP, nomeando para essa função Philippe La Sagna. Existiam então quatro Comissões da Garantia na AMP: as da ECF e da EOL, e as duas da AMP: o Secretariado Europeu da Garantia (SEG) e a Comissão da Garantia AMP-América. Na EBP havia AME desde 1998, sendo a primeira lista estabelecida pelo Delegado Geral da AMP.

Em junho de 2011, houve reunião da Comissão AMP-América durante o ENAPOL V, no Rio de Janeiro, com a participação de Elisa Alvarenga, então Presidente da AMP-América, e novas nomeações de AME.  Em 2012, ano da criação da FAPOL (Federação Americana de Psicanálise da Orientação Lacaniana) houve a permutação na Comissão, que passou a ser constituída por: Leonardo Gorostiza, Elisa Alvarenga, Daniel Millas, Juan Fernando Pérez, Jésus Santiago e Mauricio Tarrab. Para além das nomeações de AME, as Comissões AMP-América e Europa discutiram o alcance e valor do título de AME em nossa época, marcada pela violência dos ataques à Psicanálise. Já se colocava a questão da ação lacaniana e do papel dos AME para representarem as Escolas da AMP em um mundo onde uma grande quantidade de informações, não hierarquizadas, se multiplicavam nas listas eletrônicas. Algumas forças-tarefa tinham então lugar na AMP, como por exemplo a libertação de Rafah Nashed, na Síria.

Mas a função dos AME era interrogada sobretudo dentro das Escolas, na formação dos jovens analistas, como também na nomeação de passadores para o dispositivo do passe. Enfatizava-se, ainda, a pertinência de continuar impulsionando um ensino por parte das Comissões e dos AME nas Escolas.

Em 2013, Philippe La Sagna transmitiu ao Conselho da AMP os resultados de duas perguntas dirigidas aos integrantes das Comissões AMP-América e Secretariado Europeu da Garantia: sobre o ponto de vista de cada um sobre a prática da supervisão nas Escolas, considerada uma perspectiva central a se levar em conta, tanto para a entrada como membro quanto para a nomeação de AME, e sobre as relações da Psicanálise com o Estado, nas diversas Escolas. O título de AME tinha então um valor interno nas Escolas, mais que um sentido importante no exterior da Escola, na cidade. Constata-se que o lugar da Psicanálise nas Universidades está cada vez mais fragilizado e que a crise que atravessam as instituições de saúde mental nos orienta em direção à necessidade de criar instituições novas, orientadas pela psicanálise.

O ano de 2013 é marcado por uma preocupação com a Garantia e a nomeação de AME, definido por Jacques-Alain Miller como “um título que é dado nas Escolas por uma Comissão responsável, não às pessoas que demandam. Essa Comissão estima, em um dado momento, que há pessoas cuja prática é regular, conforme a orientação lacaniana, e que essas pessoas deram provas, testemunhos, de que o fazem bem” (8). A supervisão e a garantia estão na ordem do dia na Europa e na América. A supervisão só vale se visar, para além das relações do psicanalista com seus pacientes, suas relações com a psicanálise. Segundo Philippe La Sagna, na única vez que uma lista de AME foi publicada na ex-EFP, em 1977, ela foi acompanhada de um texto preciso sobre a questão do AME. Para garantir “a competência mas também a regularidade da prática”, deve-se demandar “o acordo do analista do sujeito”, o testemunho dos supervisores (ao menos dois) e a “qualidade psicanalítica do trabalho do qual o sujeito deu provas em uma atividade de grupo ou em um escrito” (9).    

Em novembro de 2013, por ocasião do VI ENAPOL, em Buenos Aires, a Comissão da Garantia AMP-América reuniu-se novamente, com a presença de Miquel Bassols, então vice-Presidente da AMP, e fez novas nomeações nas três Escolas da América. Leonardo Gorostiza, após reunião com o Conselho da EBP, considerou a criação de uma Comissão da Garantia da EBP, argumentada por Rômulo Ferreira da Silva em seu texto “A questão da supervisão toca a garantia”, incluído no Dossier “A arte da supervisão”, organizado pelo Conselho da FAPOL sob a presidência de Elisa Alvarenga. A Comissão da Garantia da EBP foi criada na Assembleia da EBP de março de 2014.

As nomeações de AME são uma prerrogativa da Comissão da Garantia AMP-América, embora as Comissões da EOL e da EBP indiquem membros de sua Escola para serem nomeados. Um AME é nomeado quando ele já funciona, de fato, como tal. Miquel Bassols explicita que não se é nomeado AME sob demanda, sendo a nomeação mais da ordem de uma anunciação, por surpresa. O título de AME não é uma recompensa de uma carreira, mas o reconhecimento de uma transmissão em curso do desejo do psicanalista. Um papel essencial da garantia é fazer valer o sujeito Escola contra o grupo. Daí a importância dos testemunhos daqueles que podem recolher, em sua Escola, informações sobre a prática clínica e transmissão da psicanálise pelo colega indicado para esta nomeação. Na NEL, como não há Comissão da Garantia, conta-se com o parecer do membro da NEL que participa na Comissão, além das informações que se têm sobre os indicados.

Em abril de 2014 houve novas permutações nas Comissões, e a Comissão AMP-América passou a ser composta por: Miquel Bassols, Silvia Baudini, Juan Fernando Pérez, Ana Lúcia Lutterbach Holck, Rômulo Ferreira da Silva e Mauricio Tarrab. Trata-se de uma Comissão constituída pelo Presidente da FAPOL, os Diretores de EOL e da EBP, um membro da NEL e um membro da EBP, com a participação do Presidente da AMP. Tal Comissão se reuniu durante o ENAPOL de 2015, em São Paulo, para escutar as propostas das três Escolas e decidir sobre o reconhecimento de novos AME.

Em 2016, Silvia Baudini passa a fazer parte do Conselho da AMP e é nomeada para a função de Secretária da Garantia AMP-América, uma vez desdobrado o Secretariado da Garantia da AMP, enquanto Christiane Alberti assume a Secretaria AMP Europa. 

Em janeiro de 2017, o Conselho da AMP elabora um Regulamento interno da Comissão da Garantia da prática da AMP-América, no qual figuram os membros da Comissão: Miquel Bassols, Silvia Baudini, Juan Fernando Pérez, Ana Lúcia Lutterbach Holck, Nora Gonçalves e Silvia Salman. As duas últimas substituíram Rômulo Ferreira da Silva e Mauricio Tarrab, que saíram da Comissão para integrar os cartéis do Passe da EBP e da EOL, respectivamente. Os membros da Comissão já não obedecem à função que ocupam na Escola, mas estão na Comissão a título pessoal. Essa mudança favorece o trabalho de uma Comissão que tem a função central de garantir uma formação suficiente no tempo e lugar, tal como propõe Jacques-Alain Miller em suas Proposições sobre a Garantia, apresentadas na Jornada “Question d’École” de 21 de janeiro de 2017, sobre “A psicanálise na cidade”. A atual Comissão reuniu-se durante o último ENAPOL, em setembro de 2017, em Buenos Aires, com a presença de Angelina Harari, vice-Presidente da AMP, como êxtimo.

O Secretário da Garantia América do Conselho da AMP tem como função reunir a Comissão e convocar os responsáveis das Comissões das Escolas da América para transmitir suas propostas de reconhecimento de AME. Ele deve também informar os Presidentes das Escolas e da FAPOL sobre as decisões tomadas na Comissão (10).

Se a Comissão da Garantia privilegiava a preocupação com a formação dos analistas, sua prática e sua ética, cuidando especialmente de promover o desejo de supervisão, Miller explicita um giro em direção à cidade, ao afirmar que: “é apropriado tratar as relações entre discurso da análise e discurso do mestre sob a égide da Garantia”. Nesta mesma intervenção, Miller afirma que o título de AME é o meio pelo qual nosso grupo analítico se faz representar no discurso do mestre. Como esse último varia no lugar e no tempo, justifica-se a divisão da secretaria da Garantia da AMP, entre a Europa e a América. Trata-se, portanto, de saber, como propõe Silvia Baudini, quem é o mestre em cada momento e lugar (11). É uma questão que deve sempre ser atualizada, em razão das evoluções da sociedade e das pressões exercidas sobre a prática da psicanálise pelos polos tecnocráticos e ideológicos dos governos contemporâneos.

A Comissão da Garantia AMP-América segue concernida pela formação no interior da Escola, que indica aqueles que serão nomeados AME, mas considera a garantia que o AME deve representar na cidade, ao mesmo tempo submetendo-se e subvertendo o discurso do mestre. É a Escola, como propôs Miller, em seu ser ambíguo, com asas analíticas e patas sociais (12).


Bibliografia:
(1) Lacan, J., “Ato de fundação”, in Outros Escritos,, Zahar, Rio de Janeiro, p. 236.
(2) Ibidem, p. 246.
(3) Lacan, J., “Proposição de 9 de outubro de 1967”, in Outros Escritos, op. cit., p. 249.
(4) Lacan, J., Lettres de l’EFP, abril 1976, citado por Brodsky, G.,“Donde encontrar al AME? La commission de la garantía”, in http://www.wapol.org/es/las_escuelas/TemplateArticulo.asp?intTipoPagina=4&intEdicion=4&intIdiomaPublicacion=1&intArticulo=180&intIdiomaArticulo=1&intPublicacion=10, acesso em 07.01.2018.
(5) Cf. Miller, J.-A., “Declaração da Escola Una”, 24.01.2000, “Anexo aos Estatutos da AMP”, in Anuário da EBP de 2004, p. 111.
(6) Cf. Gorostiza, L., Discurso do Presidente entrante a la Asamblea General de la AMP, Paris, 30.04.2010.
(7) Cf. La Sagna, P., Note sur le travail sur la question de la garantie pour le Conseil de l’AMP (2010-2011).
(8) La Sagna, P., Rapport du Sécretariat de la Garantie AMP 2013 pour le Conseil de janvier 2014.
(9) Ibidem.
(10) Cf. Baudini, S., Informe sobre la Comisión de la Garantía AMP América, janeiro de 2018.
(11) Baudini, S., Secrétariat de la Garantie AMP pour l’Amérique, Intervenção na Assembléia da AMP no dia 28.01.2017.
(12) Cf. Miller, J.-A., “Question d’École: Propos sur la Garantie du 21.01.2017”, in Hebdo Blog de l’École de la Cause freudienne n. 94, 29 janvier 2017.