Elisa Alvarenga
EBP- AMP
Desde o Ato de Fundação de sua Escola, em 1964, Lacan estava concernido pela garantia do trabalho realizado na Escola. “Desde o início e na totalidade dos casos, uma supervisão qualificada será assegurada ao praticante em formação em nossa Escola” (1). Ela garantirá as supervisões que convierem a cada um, “já que não é de fora que se pode esperar uma exigência de controle que estaria na ordem do dia em todos os outros lugares” (2).
Na Proposição de 9 de outubro de 1967, “o AME ou analista membro da Escola é constituído pelo fato de a Escola o reconhecer como psicanalista que comprovou sua capacidade: é isso que constitui a garantia proveniente da Escola” (3). Mas, onde encontrar o AME? Como nos diz Graciela Brodsky, Lacan não nos dá muitas pistas para isso. Em 1975, lhe perguntaram quais seriam os critérios para nomear um AME, ao que Lacan respondeu: “É o que se chama o bom senso, ou seja, a coisa mais difundida do mundo: neste se pode ter confiança. Nada mais. Não há absolutamente nenhum outro critério” (4).
No seu discurso à Assembleia Geral da AMP, quando foi eleita Delegada Geral em 2002, Graciela Brodsky nos apresenta o impasse da Garantia que começou a perfilar-se na AMP: Jacques-Alain Miller havia apontado a inflação do título de AME e a dificuldade de implantar uma Comissão da Garantia, antecipando a incompatibilidade entre a comunidade de trabalho que exige a Garantia e a dispersão territorial de algumas de nossas Escolas. Em janeiro de 2000, Miller havia fundado a Escola Una, mas havia assinalado algumas dificuldades: o borramento da diferença entre membros e não membros, a perda de limites entre psicoterapia e psicanálise, o mutualismo. O Comitê de Ação da Escola Una havia elaborado dois documentos: um sobre a Supervisão e outro sobre a Garantia. Na época, apenas duas Escolas existentes possuíam sua Comissão da Garantia: A ECF e a EOL. Mas não faziam nomeações nem um ensino.
Era preciso inovar a Garantia, e o Delegado Geral, considerando o desejo de estreitar laços entre as Escolas vizinhas, propôs que se criassem, junto com a divisão da AMP em Escola Europeia de Psicanálise e AMP-América, uma Comissão da Garantia na Europa e outra na América. Estas propostas foram aprovadas estatutariamente, ainda em 2002, pelos Conselhos e Assembleias das Escolas. Assim, a primeira Comissão da Garantia AMP América passou a nomear alguns membros das Escolas da América como AME. Ela foi constituída por Graciela Brodsky e teve a participação de Bernardino Horne pela EBP.
Desde a Declaração da Escola Una em 2000, Miller menciona os AME, “praticantes que deram provas de formação suficiente e cuja nomeação deverá, em breve, encontrar um procedimento melhor definido” (5). A regionalização da Comissão da Garantia AMP-América, embora considere o fator local inerente à nomeação do AME, pode ao mesmo tempo introduzir a boa “deslocalização”, que neutralize os efeitos de “mutualismo” grupal (6).
O período de 2006 a 2010, correspondente à gestão de Eric Laurent como Delegado Geral da AMP, teve um especial cuidado com as admissões, que também dizem respeito à garantia que oferece a Escola a seus membros. Foi também durante sua gestão que a Comissão da Garantia AMP-América reuniu-se, em maio de 2008, fazendo várias nomeações de AME na EOL, na EBP e na NEL. Esta Comissão entrou em função a partir do Congresso de Roma em 2006, deveria permutar em 2011 e teve como membros: Frida Nemirovsky (mais-um), Leonardo Gorostiza (Presidente AMP-América), Ricardo Nepomiachi (EOL), Romildo do Rêgo Barros (EBP) e Gerardo Réquiz (NEL) (7).
Leonardo Gorostiza, ao assumir a Presidência da AMP em abril de 2010, propôs a criação do Secretariado da Garantia no interior do Conselho da AMP, nomeando para essa função Philippe La Sagna. Existiam então quatro Comissões da Garantia na AMP: as da ECF e da EOL, e as duas da AMP: o Secretariado Europeu da Garantia (SEG) e a Comissão da Garantia AMP-América. Na EBP havia AME desde 1998, sendo a primeira lista estabelecida pelo Delegado Geral da AMP.
Em junho de 2011, houve reunião da Comissão AMP-América durante o ENAPOL V, no Rio de Janeiro, com a participação de Elisa Alvarenga, então Presidente da AMP-América, e novas nomeações de AME. Em 2012, ano da criação da FAPOL (Federação Americana de Psicanálise da Orientação Lacaniana) houve a permutação na Comissão, que passou a ser constituída por: Leonardo Gorostiza, Elisa Alvarenga, Daniel Millas, Juan Fernando Pérez, Jésus Santiago e Mauricio Tarrab. Para além das nomeações de AME, as Comissões AMP-América e Europa discutiram o alcance e valor do título de AME em nossa época, marcada pela violência dos ataques à Psicanálise. Já se colocava a questão da ação lacaniana e do papel dos AME para representarem as Escolas da AMP em um mundo onde uma grande quantidade de informações, não hierarquizadas, se multiplicavam nas listas eletrônicas. Algumas forças-tarefa tinham então lugar na AMP, como por exemplo a libertação de Rafah Nashed, na Síria.
Mas a função dos AME era interrogada sobretudo dentro das Escolas, na formação dos jovens analistas, como também na nomeação de passadores para o dispositivo do passe. Enfatizava-se, ainda, a pertinência de continuar impulsionando um ensino por parte das Comissões e dos AME nas Escolas.
Em 2013, Philippe La Sagna transmitiu ao Conselho da AMP os resultados de duas perguntas dirigidas aos integrantes das Comissões AMP-América e Secretariado Europeu da Garantia: sobre o ponto de vista de cada um sobre a prática da supervisão nas Escolas, considerada uma perspectiva central a se levar em conta, tanto para a entrada como membro quanto para a nomeação de AME, e sobre as relações da Psicanálise com o Estado, nas diversas Escolas. O título de AME tinha então um valor interno nas Escolas, mais que um sentido importante no exterior da Escola, na cidade. Constata-se que o lugar da Psicanálise nas Universidades está cada vez mais fragilizado e que a crise que atravessam as instituições de saúde mental nos orienta em direção à necessidade de criar instituições novas, orientadas pela psicanálise.
O ano de 2013 é marcado por uma preocupação com a Garantia e a nomeação de AME, definido por Jacques-Alain Miller como “um título que é dado nas Escolas por uma Comissão responsável, não às pessoas que demandam. Essa Comissão estima, em um dado momento, que há pessoas cuja prática é regular, conforme a orientação lacaniana, e que essas pessoas deram provas, testemunhos, de que o fazem bem” (8). A supervisão e a garantia estão na ordem do dia na Europa e na América. A supervisão só vale se visar, para além das relações do psicanalista com seus pacientes, suas relações com a psicanálise. Segundo Philippe La Sagna, na única vez que uma lista de AME foi publicada na ex-EFP, em 1977, ela foi acompanhada de um texto preciso sobre a questão do AME. Para garantir “a competência mas também a regularidade da prática”, deve-se demandar “o acordo do analista do sujeito”, o testemunho dos supervisores (ao menos dois) e a “qualidade psicanalítica do trabalho do qual o sujeito deu provas em uma atividade de grupo ou em um escrito” (9).
Em novembro de 2013, por ocasião do VI ENAPOL, em Buenos Aires, a Comissão da Garantia AMP-América reuniu-se novamente, com a presença de Miquel Bassols, então vice-Presidente da AMP, e fez novas nomeações nas três Escolas da América. Leonardo Gorostiza, após reunião com o Conselho da EBP, considerou a criação de uma Comissão da Garantia da EBP, argumentada por Rômulo Ferreira da Silva em seu texto “A questão da supervisão toca a garantia”, incluído no Dossier “A arte da supervisão”, organizado pelo Conselho da FAPOL sob a presidência de Elisa Alvarenga. A Comissão da Garantia da EBP foi criada na Assembleia da EBP de março de 2014.
As nomeações de AME são uma prerrogativa da Comissão da Garantia AMP-América, embora as Comissões da EOL e da EBP indiquem membros de sua Escola para serem nomeados. Um AME é nomeado quando ele já funciona, de fato, como tal. Miquel Bassols explicita que não se é nomeado AME sob demanda, sendo a nomeação mais da ordem de uma anunciação, por surpresa. O título de AME não é uma recompensa de uma carreira, mas o reconhecimento de uma transmissão em curso do desejo do psicanalista. Um papel essencial da garantia é fazer valer o sujeito Escola contra o grupo. Daí a importância dos testemunhos daqueles que podem recolher, em sua Escola, informações sobre a prática clínica e transmissão da psicanálise pelo colega indicado para esta nomeação. Na NEL, como não há Comissão da Garantia, conta-se com o parecer do membro da NEL que participa na Comissão, além das informações que se têm sobre os indicados.
Em abril de 2014 houve novas permutações nas Comissões, e a Comissão AMP-América passou a ser composta por: Miquel Bassols, Silvia Baudini, Juan Fernando Pérez, Ana Lúcia Lutterbach Holck, Rômulo Ferreira da Silva e Mauricio Tarrab. Trata-se de uma Comissão constituída pelo Presidente da FAPOL, os Diretores de EOL e da EBP, um membro da NEL e um membro da EBP, com a participação do Presidente da AMP. Tal Comissão se reuniu durante o ENAPOL de 2015, em São Paulo, para escutar as propostas das três Escolas e decidir sobre o reconhecimento de novos AME.
Em 2016, Silvia Baudini passa a fazer parte do Conselho da AMP e é nomeada para a função de Secretária da Garantia AMP-América, uma vez desdobrado o Secretariado da Garantia da AMP, enquanto Christiane Alberti assume a Secretaria AMP Europa.
Em janeiro de 2017, o Conselho da AMP elabora um Regulamento interno da Comissão da Garantia da prática da AMP-América, no qual figuram os membros da Comissão: Miquel Bassols, Silvia Baudini, Juan Fernando Pérez, Ana Lúcia Lutterbach Holck, Nora Gonçalves e Silvia Salman. As duas últimas substituíram Rômulo Ferreira da Silva e Mauricio Tarrab, que saíram da Comissão para integrar os cartéis do Passe da EBP e da EOL, respectivamente. Os membros da Comissão já não obedecem à função que ocupam na Escola, mas estão na Comissão a título pessoal. Essa mudança favorece o trabalho de uma Comissão que tem a função central de garantir uma formação suficiente no tempo e lugar, tal como propõe Jacques-Alain Miller em suas Proposições sobre a Garantia, apresentadas na Jornada “Question d’École” de 21 de janeiro de 2017, sobre “A psicanálise na cidade”. A atual Comissão reuniu-se durante o último ENAPOL, em setembro de 2017, em Buenos Aires, com a presença de Angelina Harari, vice-Presidente da AMP, como êxtimo.
O Secretário da Garantia América do Conselho da AMP tem como função reunir a Comissão e convocar os responsáveis das Comissões das Escolas da América para transmitir suas propostas de reconhecimento de AME. Ele deve também informar os Presidentes das Escolas e da FAPOL sobre as decisões tomadas na Comissão (10).
Se a Comissão da Garantia privilegiava a preocupação com a formação dos analistas, sua prática e sua ética, cuidando especialmente de promover o desejo de supervisão, Miller explicita um giro em direção à cidade, ao afirmar que: “é apropriado tratar as relações entre discurso da análise e discurso do mestre sob a égide da Garantia”. Nesta mesma intervenção, Miller afirma que o título de AME é o meio pelo qual nosso grupo analítico se faz representar no discurso do mestre. Como esse último varia no lugar e no tempo, justifica-se a divisão da secretaria da Garantia da AMP, entre a Europa e a América. Trata-se, portanto, de saber, como propõe Silvia Baudini, quem é o mestre em cada momento e lugar (11). É uma questão que deve sempre ser atualizada, em razão das evoluções da sociedade e das pressões exercidas sobre a prática da psicanálise pelos polos tecnocráticos e ideológicos dos governos contemporâneos.
A Comissão da Garantia AMP-América segue concernida pela formação no interior da Escola, que indica aqueles que serão nomeados AME, mas considera a garantia que o AME deve representar na cidade, ao mesmo tempo submetendo-se e subvertendo o discurso do mestre. É a Escola, como propôs Miller, em seu ser ambíguo, com asas analíticas e patas sociais (12).