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Declínio do Pai, declínio viril: uma nova masculinidade?


lacan21 - 26 de maio de 2020 - 0 comments

Beth Barone - “Onhografias”. Fotografia analógica impressa sobre papel de algodão.

Beth Barone – “Onhografias”. Fotografia analógica impressa sobre papel de algodão.

José Luis Obaid – Associado NEL – Santiago

Algo de Época

Na história da Humanidade, houve uma viragem em que a cultura patriarcal da proibição cede diante da cultura pós-patriarcal da permissão e da emancipação do sujeito, a respeito do despotismo, político ou religioso. Chegada mancomunada da ciência e do capital que, permeando as subjetividades, aposta por liberá-las, não somente da autoridade patriarcal,  mas também do que Freud chamou de “as servidões do eu” – como o sexo e a morte que afligem o narcisismo -, podendo, assim, decidir sobre seus destinos.

O sintagma loucura da época nomeia aquela ruptura com a experiência tradicional da vida. Um dos efeitos são as subjetividades diante da inconsistência da dimensão simbólica, onde não há mais crença nos significantes da tradição como fonte de ordenamento dos gozos.

O que chamamos feminização do mundo, é a modificação na lógica do Outro social, que passa do “para todos” e da exceção a uma lógica não toda, onde não há Ideal, nem garantia da lei.

Virilidade questionada

Já em 1998, o sociólogo Pierre Bourdieu escreveu: “a virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão para o combate e o exercício da violência é, diante de tudo, um peso”, diria, para os próprios homens. Isto é, o peso específico dos homens na direção da cultura contemporânea caiu pelo seu próprio peso.

Então, destaco disso, que interrogar a virilidade não seria um efeito somente da interpelação que os homens enfrentam, há alguns anos, desde o que se chamou a quarta onda feminina. A pergunta pela virilidade é também um efeito das implicações que teve e tem tido o trânsito ao capitalismo moderno. Assunção e triunfo do zeitgeist que se foi gestando desde meados do século XVIII, em uma lógica de exclusão com a ordem das tradições.

O Pai: masculinidade e machismo

Certos femininos sustentam que o machismo é uma consequência da vigência do discurso Patriarcal.

Para a psicanálise, a relação entre função paterna e masculinidade está em sua genealogia no que chamamos Édipo, que Lacan formaliza em três tempos escandidos e articulados, contingentemente, com consequências em seu desenlace ideal. Na mãe, ao ser privada do falo, e na criança, ao constituir seu desejo, já não como desejo da mãe, mas como desejo de desejo que aponta no horizonte, ao falo. Também no pai que, se operou, responderá com recurso ao dom, na medida em que se tem o falo e não é o falo, também pode doá-lo. Assim, dando as insígnias para que o menino, nesse caso macho, no despertar adolescente, exerça sua masculinidade. Falamos da castração.

Para as fórmulas da sexuação, Lacan considera o mito de Totem e Tabu. Nelas, o pai real encontra sua localização na exceção que possibilita o todo. O homem como todo se inscreve mediante a função fálica pela existência desse X que nega a função fálica ou a essência fálica que é tender a fechar-se em si mesma. A castração como operação real.

O declínio paterno é o desaparecimento da exceção, quer dizer, supressão das diferenças e das singularidades. Ineficácia do pai, para negar a essência fálica, permitindo afirmar: há machismo quando não há pai. O machismo consumado na violência contra as mulheres é signo da decadência patriarcal: apela-se à força quando não há autoridade.

Do Édipo ao Totem e Tabu

O enfraquecimento progressivo, no ensino de Lacan, da função do pai, indica que o pai é apenas uma forma que assegura uma função, a castração. Única experiência tradicional da vida que prescinde do agente que a inscreva na estrutura.

Retomo o Édipo. No terceiro tempo, o pai aparece como homem: masculino, potente e capaz de doar o que tem. Transformação do pai em macho que permite ao menino, constituir-se na dimensão masculina. Encruzilhada da solução masculina pela via da identificação com o pai. Enquanto viril, não se é mais que a própria metáfora deste. Virilidade constituída em segundo grau como virilidade do pai, sem poder aspirar a uma autenticidade viril. Ao tentar, somente evidencia o ridículo da mesma. Por isso, o Édipo em Lacan é descartável, mas não a castração.

Assim, Totem e Tabu acaba sendo um franqueamento, pois, se essa autoridade conferida possui algo de escuro, é porque nunca poderá ser assimilada ao registro do fraterno. Se após o assassinato e o ato canibalístico, o pai continua existindo na figura do totém, é porque dele, permanece um resto impossível de incorporar pela fratria.

Diremos que, tanto Freud quanto Lacan, pensaram a posição masculina em termos de uma cessão. Em Freud, o empobrecimento libidinal do Eu em benefício do objeto supõe a operação paterna que “faz que”, comovendo o narcisismo originário, este se desloque ao objeto. Em Lacan, é negação da cena fálica.      

Fórmulas da sexuação: uma nova masculinidade

A masculinização depende uito mais da distância com o pai, pois o menino não seria ipso facto, pela via da identificação, alguém que o duplique. Seria, como foi apontado, da ordem do ridículo. A disjuntiva para o menino é o que quer ser frente a uma mulher. Diferente do que é um pai.

A produção da virilidade é a castração e não o pai, o qual, secundariamente, e pela via da identificação, oferece um apoio simbólico-imaginário. Alude a um real.

A virilidade, em um plano mais real, coloca em jogo o problema de como um homem se vira com o Outro sexo. Existindo um impossível como vazio de escrita sobre a relação sexual, é necessário inventar. A verdadeira virilidade implica acreditar que uma mulher pode revelar ao homem, algo que lhe é desconhecido.

A castração, como operação real, se localiza em torno desse algo que diz não à função fálica, comportando para o homem, a possibilidade de que goze do corpo da mulher… de que faça o amor.

Nostalgia heteronormativa? Lacan vai mais além da problemática da proibição, do Édipo, declarando o gozo feminino como exceção ao gozo fálico, fora do penisneid. Positivação do gozo e abandono da negativação articulada à falta. O binarismo gozo masculino/gozo feminino permite a Lacan, generalizar o gozo feminino, até transformá-lo no regime do gozo como tal, não edípico. O que não tem nada a ver com a negatividade do desejo e reduz ao acontecimento de corpo. Acontecimento de gozo, independente da posição feminina ou masculina. Há um resto de gozo que não corresponde à dialética fálica também nos homens.

Tradução: Ana Beatriz Zimmermann Guimarães

NOTAS:
1.Barros, M. La madre: apuntes lacanianos. Grama Ediciones, Buenos Aires, 2018, p. 9.
2.Idem. P. 10.
3.Velázquez, J. F., Psicosis ordinarias: una mirada desde la clínica borronea. NEL-Santiago, 2018, p. 28.
4.Velázquez, J. F., “Lo femenino hoy: fenómenos de masas v/s autismo de goce”. Bitácora Lacaniana, Revista de la Nueva Escuela Lacaniana, NEL. Grama Ediciones, Buenos Aires, N°3, Octubre 2014, pp. 197-203.
5.Chacón, P., “Qué es un hombre: intelectuales y psicoanalistas analizan la nueva virilidad”. https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sBa5h2EdaI8J:https://www.clarin.com/psicologia/hombre-intelectuales-psicoanalistas-analizan-nueva-virilidad_0_S18PLtM2D7x.html+&cd=1&hl=es-419&ct=clnk&gl=cl
6.Idem.
7.Gandolfo, R. E., “Paternidad y posición masculina”. Seminario de la EOL Machismo.23 de mayo del 2019. Desgravação por Bruno Masino.
8.Ons, S., “El machismo en el ocaso del padre”, https://www.pagina12.com.ar/170423-el-machismo-en-el-ocaso-del-padre
9.Idem.
10.Gandolfo, R. E., Op. cit.
11.Idem.
12.Ons, S., Op. cit.
13.Idem.
14.Gandolfo, R.E. Op. cit.
15.Idem.
16.Chacón, Pablo. “Qué es un hombre: intelectuales y psicoanalistas analizan la nueva virilidad”. https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sBa5h2EdaI8J:https://www.clarin.com/psicologia/hombre-intelectuales-psicoanalistas-analizan-nueva-virilidad_0_S18PLtM2D7x.html+&cd=1&hl=es-419&ct=clnk&gl=cl
14.Ons. S. Op. cit.
18.Tendlarz, S. E., “La distribución sexuada en el seminario 20 de Lacan”. http://www.lacan21.com/sitio/2018octubre/