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Dignidade do sinthome


lacan21 - 30 de dezembro de 2021 - 0 comments

Zulema Buendía. EOL/AMP

Amor novo

O novo no amor é a passagem do gozo ao desejo na experiência analítica: paixão pelo novo que permite à neurose sair do gozo da repetição. Mas o que é o novo? De que amor se trata na experiência analítica? O novo que aparece  na repetição, uma disjunção entre amor e gozo.

Uma primeira aproximação ao novo é através do sintoma ao início da análise, e o novo ao final do dispositivo, que são de ordem diferente ainda que se encontrem articulados. Se trata da passagem do sintoma ao sinthome?

A dimensão pulsional do sintoma pode ser pensada como o velho, o núcleo duro do gozo e a dimensão significante como o que se renova na dimensão simbólica.

Para pensar este tema, se pode considerar o poema “Le Voyage” de Charles Baudelaire, que apresenta uma ideia interessante em sua última frase que diz: Ir até o fundo do desconhecido para encontrar algo novo”. A ideia nos lembra o dispositivo do passe, ir ao fundo do desconhecido do gozo para encontrar o novo no amor na experiência analítica, para isso há que ceder ao gozo até a dimensão do desejo.

Ao final de uma análise, o saber já não está do lado do analista, senão do lado do analisante, para possibilitar outro uso dos S1 que tenham sido extraídos no dispositivo, em função da interpretação que produz um vazio de sentido. O amor de transferência é o meio que possibilita a passagem do gozo autoerótico ao amor aberto à contingência.

Amor real

É importante localizar no ensino de Lacan a mudança de perspectiva a partir dos anos 70. Trata-se da passagem do inconsciente transferencial referido ao Outro até o inconsciente real que localiza-se ao nível do Um. O S1 como letra de gozo que remete ao vazio de significação, extraída do inconsciente real, a partir da “torpeza que sabe de um equívoco”.

O testemunho de Alejandro Reinoso nos ensina sobre o amor ao sinthome no texto: “Da indignação de si à dignidade do sinthome”. No início de sua análise se tratava dos pensamentos obsessivos onde o fantasma consistia no seguinte axioma: “se falo morro, melhor: escuto ao outro em silêncio e olho”.  Programa de gozo que amarrava o pensamento à fuga, no campo da inibição.

É pela interpretação via o equívoco, que pode sair da indignação do gozo silencioso, modo de fuga neurótica. Do testemunho se pode recortar dois sonhos: no primeiro sonho, localiza na capa de um livro uma palavra em francês, OUÏR , escrita em letra maiúscula. A leitura desdobrada é: O sim(Oui), Oir, (Ouïr) (em português, Ouvir), Huir(em português, Fugir), Gozar/J (Ouir) (jouir=desfrutar). Interpretação anagramática do analista que possibilita ir mais além do sentido. Dignidade do sinthome inscrito no sonho, um saber fazer com a fuga e o ouvir. Outro uso do S1, nova forma  de arranjá-lo com o gozo, sem retroceder. Assim Reinoso disse: “o mais além da indignação em um passo do huir al Ouir (fugir ao ouvir), e um amor ao sinthome”. Um segundo sonho lhe permite outra leitura do sinthome. Relata: “não sabia em qual país estava e uma mulher lhe dizia que não podia levar nada. Pegava um volume de Freud e outro que não reconhecia”. No sonho respondeu: “Aí aonde vais, haverá colegas!” Despertou com um sorriso e pensou: “ Ouir!” Um ouir  enlaçado à Escola Una, advertido do vazio da significação, e da caída das identificações, mas com a invenção do sinthome.

Amor ao sinthome

O amor ao sinthome é uma nova maneira de arranjar-se com o gozo sintomático. Um amor real descoberto no curso da análise que permite isolar e enlaçar os Uns sozinhos, a partir da leitura das marcas de gozo e  sua nova aliança. O entusiasmo é um efeito de vivificação em relação ao gozo da repetição, liberando-se a dimensão pulsional a favor da transferência de trabalho, é o que nos ensina o presente testemunho. Um amor de transferência enlaçado à Escola Una, com um amor mais digno e singular.

Tradução: Maria Cristina Vignoli           

Bibliografia:
Miller, J-A: “El síntoma charlatán”, Editorial Paidós, España, p. 14
Marchesini, Angélica: “Transferencia  y amor en  la ultimísima” en la Revista Lacaniana de psicoanálisis, n.29. Editorial Grama, edición 2021, p.64.
Reinoso, Alejandro: “De la indignación de sí a la dignidad del sinthome “en la Revista Lacaniana n.29. Editorial Grama, abril 2021. Bs.As. p 148 a 151.