Andrea F. Amendola – EOL/AMP
O analista parceiro
Para psicanálise de orientação lacaniana, o amor pulsa no coração da experiência analítica. O analista faz uso do amor de transferência, quer dizer, com seu ato, manobra através dela a direção da cura enxertando o desejo do analista nas combustões do desejo e à pulsão ao apontar a novos arranjos com o gozo.
Lacan em “A Terceira” diz que um psicanalista é responsável por um discurso que solda o analisando ao par analisando-analista.1 Aí, o analista está disponível como parceiro para o sintoma do analisando e vale-se para isso do desejo do analista que sustenta a cadeia discursiva, dando lugar à “significação de saber”2 enquanto vai empurrando à associação livre, pronto a pescar aqueles tropeços por onde, ao cair a intenção de dizer, assumem os fragmentos de um real que rasgue alguma volta do sentido sedimentado dos ditos.
Nascemos na lalíngua contanto que “a família é o lugar do Outro da lalíngua.”3
Tingido o corpo pelo choque de seu banho, levamos à análise a tinta que nos configurou página a página, incluindo as que estão em branco. Cada página se desdobrará passando por diversas leituras até render-se aos signos de gozo.
O analista lê
O analista lê e só adquire isso de sua análise se seu analista o conduziu a isso. Assim, não bem é chamado por quem o consulta, ele lê o que escuta e introduz esta operação ao serviço da cura. Advertido pelo que de sujeito obteve em sua experiência, aproveita-se desta valiosa “regra de ouro”4 para que a compreensão fique de fora da sessão analítica e para que seu analisando consiga sentir como “o jogo do significante apodera-se do sujeito”5, esse que foi convidado a sê-lo.
O analisando lê e a narcolepsia proveniente dos namoricos com seu fantasma, se desfaz. Não obstante, a repetição via o amor estica o véu para continuar dormindo. Mas a intervenção analítica corta e descola, isolando um significante causa de gozo, de maneira que a névoa da angústia encontra, assim, uma borda por onde dar seu bom sinal. Logo, o sentido se desvanece e a verdade não é a que era, tornando-se possível ler de outro modo.
Permanecer com isso
Um menino de onze anos refere, em sua primeira sessão, que tem um sintoma, abre e fecha os olhos rapidamente, enquanto se mantém rotulado, procurando encontrar a palavra justa. Isto o angustia, já que demora a falar e nem sempre sabe qual poderia ser essa palavra. Localiza o início de este sintoma a partir de algo dito por sua professora do ensino fundamental, ao qual o chama meu trauma. O menino se aproxima para perguntar algo à professora e educadora. Muito irritada, gritando lhe diz que assim está errado (mal dito).
Durante algumas sessões o menino vai dando conta sobre o quanto este trauma o afetou em todas as esferas de sua vida. De suas tantas voltas ditas, em uma nova vez que relata a cena referida com a professora, surge um acréscimo: “não pude tirar de mim e permaneci com isso.”
Lhe é sublinhado: permaneceste, é disso que se trata. Um S1 advém, dando conta da posição de gozo que habita este sujeito e que, consentindo a esta nova leitura, manifesta o nascimento nele de um desejo de saber. Já não falará da professora, salvo disto com o que permanece, cada vez, testemunho de que “não há para o ser falante gozo anterior ao significante”.6
Analista sem sabor próprio
Este analista está aí para deixar-se usar como causa, encarnando para seu analisando a extimidade de esse gozo ignorado, vestindo-se do Outro que se torna conveniente para seu analisando, analista objeto “multifuncional”.7
No primeiro testemunho do passe de Paloma Blanco Díaz, seu belo dizer carrega poeticamente esse ajuste de insosso: “graças ao meu analista que consentiu em encarnar por mim, minha causa”.8 O analista então, representa ao final essa “evacuação do objeto a” e, por “ tornar-se ele mesmo a ficção rechaçada, cai”.9
O analista consciente a encarnar a causa para o analisando, estando ciente pela sua análise de que “não pode ganhar a partida não mais que com a condição de perdê-la e de fazer ganhar ao parceiro sujeito”.10
O desejo do analista opera, através do insosso, por um des-ser do analista, contanto que seja “um desejo de reduzir ao outro a seu real e liberá-lo de sentido.”11
Deste modo, assim se torna possível para o sujeito uma leitura daqueles S1 por fora da regra fantasmática, onde restará um fazer com essa nova leitura, uma vez que acede a um amor des-alinhado do livreto do fantasma neuroticamente intitulado destino.