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Sexo e sexuação


lacan21 - 22 de outubro de 2018 - 0 comments

G.A. Fotografia. Série Vegas. EOL-AMP

G.A. Fotografia. Série Vegas. EOL-AMP

Ronald Portillo – NEL-AMP

 

“Extrai-se a conclusão de que aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é um caráter desconhecido que a anatomia não pode apreender”

Sigmund Freud.

Freud e a castração

Freud sempre teve presente que, em relação à sexualidade, encontrava-se algo situado mais além da aparência do biológico.

Já desde o ano 1924, a partir de seu artigo “O declínio do Complexo de Édipo”, deu a conhecer sua opinião: o sexo a ser assumido pelo menino ou pela menina é o resultado do Complexo de Édipo e seu pivô, o Complexo de Castração; estes provocam a saída do Édipo para o menino ou sua entrada para a menina.

Foi no artigo “A organização genital infantil” que Freud estabeleceu a oposição relativa aos sexos: fálico ou castrado.

A questão da diferença sexual vai permanecer em Freud até o final de suas elaborações e de sua vida mesma. Em “Análise finita e infinita” (1937) se pode apreciar que, para ele, no caso do homem ou da mulher, cai sob os efeitos da repressão “o próprio do sexo contrário”. Refere-se ao penisneid e o “protesto masculino” ou atitude passiva (feminina) frente a outro homem. Ambos os aspectos constituem a “rocha de base” da castração, dificuldade presente na experiência analítica mesma. Em última instância, para Freud o obstáculo fundamental de uma análise tem a ver com a assunção do sexo, ligada à castração simbólica, função que nunca chegará a ser completamente processada.

Lacan e o desejo do Outro: o sexo

Por sua vez, Lacan atribui ao Complexo de Castração, em “A significação do falo”, uma função de nó, presente tanto na estrutura do sintoma como na instalação no sujeito de uma identificação sexual.

Perguntando-se sobre a identificação sexual, Lacan se questiona porque não pode o sujeito assumir seu sexo na ausência de uma ameaça.

É a clínica quem vem dar razão a essa pergunta, na medida em que, graças a ela, demonstra-se a relação do sujeito com o falo, independentemente da diferença anatômica dos sexos.

Lacan não deixa de reconhecer a justa abordagem que formula Ernest Jones sobre a relação estabelecida pelo Complexo de Castração com o desejo; no entanto, foi incapaz de apreciar algo que esteve próximo a sua exposição: o termo fálico. O passo lógico seguinte na elaboração lacaniana será, então, articular a falta, própria ao desejo, com o significante fálico enquanto marca na qual a parte do logos se une a um advento do desejo.

O falo como significante se constitui em razão do desejo, em sua própria marca, enodando-se com a ameaça de castração, no caso do menino, e com a nostalgia da falta em ter, no caso da menina (penisneid). Mas o acesso ao falo só é possível no lugar do Outro, lugar onde se encontra velado, sustenta Lacan. A posição sexual do sujeito está estreitamente ligada, portanto, ao desejo do Outro.

Ao situar Freud a posição sexual do sujeito a partir do complexo de castração, e Lacan relacioná-la ao registro do significante fálico, fica estabelecida a articulação indissociável entre sexualidade e desejo. Na problemática do sexo, o Outro sempre está presente, o desejo do Outro.

A angústia de castração, de fatura freudiana, é inconcebível sem a inclusão do Outro. As primeiras formulações freudianas a respeito são muito ilustrativas: a assunção do sexo será o resultado do que cada criança pôde apreciar no Outro. Lacan o esclarece com o que se conhece como sua primeira teoria da angústia, avançada no capítulo II do Seminário X, A Angústia, intitulado: “Angústia, signo do desejo”. O desejo do Outro é causa de angústia no sujeito, na medida em que o sujeito lhe atribui uma função de castração. Atentando-se a função do falo e a dialética do desejo, Lacan vai considerar que as relações entre os sexos vão girar ao redor do ser e do ter. A dimensão do semblante ocupa um papel fundamental na mulher: assim vai aparentar não ser nem ter o falo. Mas é que ser ou ter o falo implica uma dialética na qual está envolvido o Outro. A problemática, a comédia dos sexos, é tal na medida em que tem como destinatário o Outro.

Para ser o falo, o significante do desejo do Outro, a mulher muitas vezes se apresenta como o que não é, tal como ilustra o semblante constitutivo da mascarada. Apresenta-se ante o Outro em falta, até de identidade, chegando em ocasiões ao proteiforme.

No nível do ter, é habitual localizar a falta do lado feminino, assumindo as insígnias da deficiência, como se a deficiência tivesse a virtude de intensificar o caráter feminino, afirma Jacques-Alain Miller. Igualmente, no campo do amor é conhecida a frase de Lacan: “amar é dar o que não se tem”, expressão válida para ambos os sexos; no entanto, parece aludir em primeiro termo à posição feminina.

Do lado masculino destaca a condição do ter, um ter ligado fundamentalmente ao corpo, tal como lhe é atribuído pelo Outro.

Lacan dirá: “A mulher encontra o significante do desejo no corpo do homem”. É o que designa o corpo sexuado do homem. O que seria o privilégio do macho estaria dado pela possessão do falo, o significante do desejo do Outro em seu corpo.

Miller coloca que a estrutura do ter acarreta repercussões no ser, tanto a nível masculino como feminino. O ter suporia a ausência de falta, isto é, uma unidade, um todo completo que seria o próprio do ser masculino, enquanto que o ser feminino estaria marcado pelo incompleto, pelo não-todo.

Lacan e o gozo: a sexuação

A abordagem lacaniana do neologismo “sexuação” obedece à necessidade de encontrar um termo para dar conta da articulação do gozo com a posição sexual do parlêtre. As fórmulas da sexuação, introduzidas no Seminário XX, Mais, Ainda, designam o modo pelo qual o gozo se faz presente em cada sexo, sem necessariamente levar em conta o desejo do Outro.

Assim, o que poderia se apresentar, no marco da relação do sexo com o desejo do Outro, como o incompleto, assinalado por um menos, agora, no registro da sexuação, aparece marcado na elaboração de Lacan como o infinito, o sem limite próprio da feminidade. Trata-se de um gozo levado mais além do falo. Contrariamente, do lado masculino e das mulheres que se localizam nessa mesma posição, o que está presente é um gozo emparelhado com o limite, com o finito. Trata-se de um gozo submetido à localização fálica.

Lacan atribui ao gozo do lado masculino a característica de ser autista, autossuficiente, ao não incluir o Outro, portanto de seu lado se localiza o gozo do Um.

As duas formas de gozo, fálica e infinita, presentificam-se na forma de amar, tanto de um como do outro lado da estrutura da sexuação, tal como se refere Jacques-Alain Miller. Haveria duas formas distintas de amor ligadas ao gozo em jogo: a fetichista e a erotômana. Na primeira forma, a masculina, a palavra está excluída, fica fora, aprecia-se um gozo em silêncio. Na forma de amor erotômana, própria da sexuação feminina, ao contrário, a palavra ocupa um papel de primeira ordem.

Do lado masculino, o gozo não necessita atravessar o campo do amor, tal como o ilustra a relação com a prostituta. Do lado da mulher, o gozo está intimamente ligado ao amor e necessariamente deve passar pela palavra.

Aqui está implicado o Outro em falta, mas não o Outro do desejo, mas do saber: A/ ..

Quando o amor aparece no lado masculino das fórmulas da sexuação, aparece no lugar do objeto fetiche; enquanto que, do lado feminino, o amor constitui o objeto erotomaníaco mesmo, sustenta Miller em seu curso O parceiro-sintoma.

Tradução: Gustavo Ramos.

Notas:
  1. Freud S., Nuevas Conferencias de Introducción al psicoanálisis (1932), 33a Conferencia: La feminidad.  Obras completas, v. XXII. Buenos Aires. Amorrortu, 1979, p. 106.
  2. Freud S., “El sepultamiento del Complejo de Edipo” (1924), Obras completas, v. XXI. Buenos Aires. Amorrortu, 1979, pp. 185-186.
  3. Freud S., “La organización genital infantil” (1923), Obras completas, v. XXIII. Buenos Aires, Amorrortu, 1979, p. 149.
  4. Freud S., “Análisis terminable e interminable”, Obras completas, v. XXIII. Buenos Aires, Amorrortu, 1979, p. 253.
  5. Lacan J., “La signification du phallus”(1958), Ecrits. Paris. Seuil, 1966, p. 685.
  6. Ibíd.
  7. Ibíd., p. 687.
  8. Ibíd., p. 692.
  9. Ibíd., p. 693.
  10. Ibíd., p. 694.
  11. Miller, J.-A., “El partenaire-síntoma” (1998). Buenos Aires. Paidós, 2008, p. 283.
  12. Lacan, J., “La signification du phallus” (1958), Op. cit., p. 694.
  13. Miller, J.-A., “El partenaire-síntoma” Op. cit., p. 281.
  14. Ibid, p. 310.
  15. Ibid, p. 312.
  16. Ibid, p. 317.
  17. Ibid, p. 318.